Essa é uma história real. Cenário real. Personagens reais.
Por uma questão de respeito, trocarei/ocultarei os nomes de alguns personagens.
As dores que tentarei descrever, possivelmente não serão reais. A dor e a tristeza que senti quando ouvi essa história, é muito maior do que jamais conseguirei transmitir para você.
Ainda assim, é uma história forte.
Não continue, se você é emotivo, ou sofre de males como depressão, angústia e tristeza.
É sério! Se for o seu caso, pare a leitura agora.
Minha esposa é professora da rede municipal de ensino. Ela dá aulas em um bairro onde a extrema pobreza é uma realidade vivenciada no cotidiano.
É uma turma de quinto ano. 35 alunos apinham a sala, dentre os quais, três prestes a reprovar.
Dentre os três alunos, um sequer apareceu na escola para “tentar” fazer a prova de recuperação.
Dia 20 de dezembro. Última semana de aulas antes do recesso.
A coordenação organiza uma equipe, e vão atrás dos alunos que “deveriam” ter comparecido à escola essa semana para tentar recuperar o ano perdido. Dentre os alunos, Gustavo, um garoto de 12 anos, aluno de minha esposa.
Entram por estradas esburacadas, ruelas que sequer existem no mapeamento da prefeitura. Param o carro e se esgueiram por becos onde só se passa a pé.
Após algumas tentativas, chegam a um grupo de barracos. Batem em um, outro e mais outro. Alguém indica que o barraco que estão procurando está um pouco mais à frente.
Chegam por fim à “casa” de Gustavo. Um barraco construído com pedaços de madeira, plástico, papelão e outras quinquilharias.
Batem palmas, e sai uma menininha de 4 anos. Ela usa uma bermudinha rasgada que aparenta ter sido as calças de outra criança.
Atrás dela, saem uma menina de 3 e mais duas de 2 anos (gêmeas). Todas as crianças descalças. As três meninas estão nuas. Totalmente peladas. Posteriormente descobre-se que estão assim, pois a mãe não tem nada para vesti-las. Concluem também que até aquela hora da manhã as crianças ainda não haviam se alimentado.
Gustavo aparece. Assim como a irmã de 4 anos, ele também está vestido, mas com o uniforme escolar todo sujo.
Alguém diz: “Oi Gustavo. Onde está a sua mãe?”
As crianças se apressam em chamar a mãe, que já vinha saindo com mais um bebê ao colo. Um recém-nascido envolto em trapos.
Seis crianças. Olhos tristes, cabelos ressecados e pés rachados. A sujeira cobre os pés, os membros, o rosto.
A fome é visível em seus pequenos olhinhos. A secura de suas peles, denuncia a falta de nutrientes. O sorriso triste comunica a todos sobre a falta de esperança.
O motivo da visita da comitiva era convencer a mãe a enviar o menino à escola, para fazer a última prova.
Poucos minutos depois a equipe deixa o casebre com seu objetivo frustrado.
A diretora da escola que também fazia parte da comitiva olha para a minha esposa. E um olhar basta para ambas concluírem que Gustavo reprovou. O ano para Gustavo, foi perdido.
Imagine a sensação no estomago de cada uma daquelas professoras. Que questionamentos se passam pela mente de cada uma delas?
Será que a única coisa perdida ali foi o ano escolar de Gustavo? Será que o amor próprio e a esperança de cada uma daquelas crianças ainda tem alguma chance de voltar a habitar em suas almas?
Nesse momento, ninguém mais está preocupado com o ano escolar de Gustavo. A preocupação agora é arrecadar algumas roupas, e alguns alimentos.
A preocupação agora é buscar uma forma de amenizar a dor da forme dessas crianças. É cobrir-lhes suas vergonhas. É angariar um pouquinho de esperança.
A arrecadação é um sucesso. Sucesso, significa que por hora, as crianças terão como cobrir suas intimidades, e durante alguns dias terão algo para comer.
Esse artigo está sendo escrito na véspera do Natal. Enquanto eu jogo essas letras no papel, a minha família se movimenta. Tem alguém mexendo na churrasqueira, outros estão na cozinha e ainda alguns estão decidindo o melhor lugar para pôr a mesa.
Enquanto isso, na casa de Gustavo e suas irmãs, não há fogão. Não há geladeira. Sequer há camas para eles dormirem. As 5 crianças passaram mais uma noite embolados em uma única cama, ouvindo ao longe o barulho de fogos. Ninguém comemora com sua família pela mesa farta nas vésperas de natal.
À essa hora, devem estar andando descalços pela rua, entre poças de lama e cães sarnentos. Sobrevivendo em meio a pobreza.
E essa é só mais uma das muitas histórias tristes que tenho ouvido durante os últimos anos.
Gustavo faz parte de uma turma, que no quinto ano escolar, mais da metade dos alunos, conseguem apenas escrever o nome. E ler algumas frases tropegamente.
A maioria sequer imagina que um mundo existe fora daqueles limites que eles conhecem. Sequer imaginam que existem shopping centers, que existem restaurantes e lugares para se divertir.
Muitos já ouviram falar que existe cinema. Mas não imaginam se um dia visitarão um.
35% dos alunos tem o pai, a mãe ou ambos presos.
São crianças que não sabem o que é uma família. Não sabem o que é se sentir seguros.
São crianças que não tem o sonho de ser alguém um dia.
Enquanto nossos governantes estão batendo no peito, orgulhosos que reduziram a pobreza em x%, que melhoraram a educação em y%, Gustavo e suas irmãs não são ninguém.
Ou melhor. Eles são estatística. São percentuais. São números.
Será que um dia Gustavo e suas irmãs terão alguma oportunidade na vida? Se tiver oportunidade eles saberão reconhecê-la? Se souberem reconhecer a oportunidade terão estrutura psicologia para aproveitá-la?
Oportunidades.
Falar de oportunidades perdidas por crianças pobres é fácil.
Difícil é olharmos para dentro de nós mesmos e reconhecermos quantas oportunidades perdemos todos os dias. Dia após dia.
Ahhh. Você pode argumentar que realmente é difícil e se exige muito discernimento para reconhecer as oportunidades. E mesmo ao reconhecê-las, muitas vezes exige coragem para agarrá-las.
Isso é certo. Mas pense por um momento em oportunidades que estão bem debaixo de nossos narizes. Bem à nossa frente e não as agarramos.
Se temos o privilégio de saber ler, por que deixamo-nos ser abduzidos pelas redes sociais em vez de abrir um livro? Quantos páginas você leu hoje? Quantos livros você leu no último ano? Ou será que você perdeu essa oportunidade?
Quantas pessoas você abraçou hoje? Faltou oportunidade, ou você não soube reconhecê-la?
Para quantas pessoas você sorriu hoje? Você já agradeceu pela sua casa, pela sua comida, pela sua família?
Por certo, em sua família existem muitos problemas. Será que são problemas, ou são oportunidades que você está deixando escorregar por entre os dedos?
Será que se Gustavo fosse submetido a uma família como a sua, com todos os problemas que ela tem, teria ele melhores oportunidades em sua vida futura?
Você tem a oportunidade hoje de agradecer pela sua família, de abraçar alguém que ama. De sorrir para um transeunte.
Você tem a oportunidade de deixar de lado as redes sociais, e se deliciar nas páginas de um bom livro. De uma boa leitura.
Oportunidades…
Oportunidades…
Não as percas. Não as deixe passar incólumes pela sua vida.
Espero sinceramente que você possa estar preparado para as oportunidades que a vida ainda há de lhe apresentar.
E espero mais ainda. Que você tenha a coragem de agarrá-las quando surgirem à sua frente. Começando pelas mais simples que estão bem debaixo de seu nariz.