O olhar úmido de dona Carminha dizia a todos sobre seus sentimentos mais íntimos.
Todos na sala, mantinham o respeito à dor do luto. A maioria estava em silêncio, e os poucos que tinham algo para dizer, faziam-no cochichando, com uma fala pausada e calma.
O enterro aconteceu as 10h. Depois do sepultamento, cada um seguiu seu destino, e Tuco, o filho mais velho, trouxe a mãe de volta à casa. Agora vazia.
Dona Carminha abriu a porta, entrou e suspirou. Apenas o silencio ouvia seus pensamentos.
Os dias se passaram, e Dona Carminha aos poucos recuperou o sorriso. Mais que o sorriso, pôs-se a planejar mudanças na vida que deveriam ocorrer.
Para Tuco, pediu que a ajudasse a contratar um pintor. Queria mudar a cor da casa, e trazer mais vida para as paredes descascadas.
Para Lito, pediu que lhe conseguisse um marceneiro, pois queria melhorar os móveis da cozinha.
Mas foi para Marilda, a nora, que fez o mais inusitado pedido de todos.
Ajude-me a encontrar uma professora. Quero aprender a ler. Morro de vergonha de sair à rua, e não saber ler.
Apesar de analfabeta, Dona Carminha se virava. Utilizava o transporte público, memorizando o desenho do que estava escrito nas tabuletas de destino dos ônibus.
Nas compras de supermercado, se virava como podia na análise dos preços e a saber o que estava caro e o que estava barato.
Mas seu sonho era ler um livro para o neto.
Foi um ano intenso de esforço e aprendizado.
Mas, um ano depois, dona Carminha estava lendo um livro para o pequeno Gabriel. Ela leu o Pequeno Principe, de um autor com um nome esquisito.
Foram vários dias lendo. A leitura era tropega e sofrida, mas para Gabriel, foi uma aventura emocionante.
Por fim, chegaram a última página, e quando dona Carminha leu as últimas linhas, as lagrimas rolaram pelo rosto.
O que aconteceu vovó?
Nada. Nada não. Está tudo bem.
Mas o que emocionara dona Carminha fora o trecho onde, após a despedida do pequeno príncipe, o narrador dizia que não devemos nos esquecer da essência da infância e da importância das coisas simples da vida.
Não devemos nos esquecer das coisas simples da vida.
Depois de tantos anos, dona Carminha conseguia fazer uma coisa que parece ser tão simples e frugal. Ler.
Essa história é real. Aconteceu com a mãe de um grande amigo meu. Alguns anos já se passaram, e agora, a mãe de meu amigo já sabe ler. E agora, dona Carminha lê para a bisneta.
Sempre que vejo alguém que me diz “não gosto de ler”, me lembro da mãe de meu amigo que passou a maior parte da vida sem saber ler. Não consigo imaginar o que é não saber ler.
E é com muita tristeza, que vejo muitas pessoas que tem o privilégio desse conhecimento, abrir mão dessa atividade tão simples, e tão prazerosa.
Pessoas que conscientemente optam por se colocar no mesmo nível de um analfabeto.
Que jamais nos esqueçamos das coisas simples da vida. Entre elas, ler.